terça-feira, 5 de novembro de 2013

Eu gosto de brincar

Foto: Divulgação/Google

Já se passava das nove horas da noite. Uma quarta-feira fria daquele período de novembro que não sabia se esquentava ou esfriava. Em casa parecia ser quente. Mas na rua o calafrio apertava. O interfone da minha casa tocou e eu atendi. Em uma voz que não me permitia entender se era um adulto ou uma criança ouvi: “Você tem um cobertor para me dar?”. 

Na frente da Nossa Senhora Peregrina que visita as casas da cidade, minha mãe me mandou dizer para que a pessoa aguardasse ela. E ao chegar na frente da casa se deparou com uma criança. Com cabelos meio arrepiados e negros, olhos que nem eram puxados como de um japonês ou chinês – eu tenho dificuldade para diferenciar um do outro – nem redondos como de um ocidental, um menino de dez anos rapidamente relatou era de família indígena e estava com a mãe e mais dois irmãos – um de dois anos e outro de dois meses – dormindo nas ruas da cidade. Eles queriam um cobertor para se tapar durante aquela noite.

O menino entrou. Minha mãe o serviu. E numa breve fala me disse o nome que eu rapidamente esqueci. Apeguei-me mesmo foi ao que ele me contou sobre sua vida. Em rápidas e curtas frases ele disse que gostava de estudar Português e Matemática. E falou, ainda, que é goleiro do time de futebol da escola. Sobre a família, falou que tinha três irmãos e que todos vivem com a mãe. O pai já faleceu e, segundo o menino, teria sido trabalhando como carpinteiro.

Um aperto tomou meu coração ao escutar isto. E ao mesmo tempo percebi o quão feliz era aquela criança. O garoto é bilíngue, fala Português e Guarani, tribo à qual ele pertence. E na língua materna, me falou sobre sua atividade predileta: “Eu gosto de brincar”.

A tristeza que tomou o meu coração se confundiu com a emoção que senti ao ouvir uma criança aparentemente tão sofrida me dizer que sua felicidade se completa com tão pouco. O pequeno menino me disse que suas brincadeiras são esconde-esconde e pega-pega. Certamente, e mesmo diante da vida que leva, ele é feliz nas pequenas coisas.

Serviu-me de exemplo. Tocou o meu coração. Quem me dera se o mesmo acontecesse, ao menos, com quem lesse este texto. Nunca vou me esquecer daquela frase em Guarani que eu não sei traduzir, mas ele me disse também em Português: “Eu gosto de brincar”.

Heloiza Abreu
Do fundo do meu coração, a partir de uma experiência vivida. 

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